O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que existe assédio moral no local de trabalho por parte da entidade patronal quando esta, de forma vexatória e humilhante, impede um trabalhador em funções de chefia de tomar decisões, de ter acesso a dados e informações da empresa e de contactar e ser contactado pelos demais colaboradores, mudando o seu gabinete sem o seu conhecimento e reencaminhando de forma automática os seus emails para a administração.
O caso
Depois de a unidade de saúde na qual desempenhava funções de chefia, na qualidade de gestor, ter mudado de proprietário, um médico viu-se obrigado a entregar, de imediato, o computador portátil e o telemóvel que lhe tinham sido atribuídos.
Acompanhado por um técnico de informático, foi autorizado a copiar alguns ficheiros pessoais, como fotografias de família, mas apenas depois dos mesmos serem abertos, para análise, pelo técnico.
O seu gabinete foi pela primeira vez fechado à chave, algo que nunca sucedera nos sete anos em que estivera como diretor de unidade, e quando regressou das férias de Natal foi-lhe transmitido que não poderia solicitar nada a ninguém e que ninguém poderia falar com ele.
Depois de lhe ter sido devolvido o computador portátil e o telemóvel, o médico apercebeu-se de que tinham sido efetuadas várias alterações na configuração, nomeadamente no correio eletrónico, vindo a constatar que os emails que enviava eram reencaminhados automaticamente para diversas outras pessoas da administração.
Entretanto, deixou de ter acesso ao correio geral, não foi convocado para reuniões com todo o pessoal da unidade e viu serem-lhe retiradas diversas funções que até então eram da sua responsabilidade.
O seu gabinete foi mudado de local, sem o seu conhecimento ou autorização, e as suas coisas mudadas para outro situado no piso -1. Um gabinete interior, sem luz e sem ventilação natural, localizado junto às salas de TAC e Raio X, e só acessível através de um corredor onde existia risco de radiação.
Esse comportamento por parte do Centro Hospitalar valeu-lhe, junto com outros, a condenação no pagamento de uma coima no valor de 36.000 euros pela prática de três contraordenações, uma delas por assédio moral no local de trabalho.
O Centro Hospitalar impugnou judicialmente essa decisão, mas esta foi confirmada pelo tribunal, que ainda lhe aplicou uma sanção acessória, condenando-o a publicitar a decisão condenatória.
Inconformado, o Centro Hospitalar recorreu para o TRC, rejeitando que tivesse agido de forma incorreta para com o médico gestor de unidade e defendendo a ilegalidade e inconstitucionalidade da aplicação da sanção da publicidade da sentença.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC negou provimento ao recurso, confirmando na íntegra a decisão recorrida, ao considerar que o existe assédio moral no local de trabalho por parte da entidade patronal quando esta, de forma vexatória e humilhante, impede um trabalhador em funções de chefia de tomar decisões, de ter acesso a dados e informações da empresa e de contactar e ser contactado pelos demais colaboradores, mudando o seu gabinete sem o seu conhecimento e reencaminhando de forma automática os seus emails para a administração.
Segundo o TRC, essa atuação por parte da entidade patronal consubstancia a prática de comportamentos indesejados com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger o trabalhador, afetar a sua dignidade e de lhe criar um ambiente intimidador, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
De uma forma que extravasa em muito a mera tomada de decisões de gestão ou um mero conflito laboral entre trabalhadores e a respetiva entidade empregadora.
Nada impede que a entidade patronal, até na sequência da mudança de administração, altere a sua estrutura orgânica e retire alguns trabalhadores de cargos de chefia. O que não pode é exercer de forma ilegítima esse seu poder de direção e procurar perturbar e constranger um trabalhador, perseguindo-o e criando-lhe um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador, esvaziando-o por completo de quaisquer funções, por forma a força-lo a abandonar a empresa.
O TRC decidiu ainda que, estipulando a lei que no caso de contraordenação muito grave, como é o assédio no local de trabalho, seja aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade da condenação, pode e deve o tribunal aplicar esta sanção em sede de impugnação, mesmo quando a autoridade administrativa não o tenha feito.
Não sendo essa aplicação automática da sanção de publicidade inconstitucional na medida em que não viola nem o princípio da proporcionalidade nem os limites estabelecidos na Constituição em matéria de aplicação de penas.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 1565/14.5T8LRA.C1, de 14 de janeiro de 2016
Código do Trabalho, artigos 29.º e 562.º n.º 1
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