Jurisprudência:
Desconformidade face ao contrato de compra e venda de um automóvel
I – A existência de um contrato de compra e venda de um automóvel usado celebrado entre um profissional (o réu vendedor) e um consumidor ou comprador não profissional (o autor comprador), ou seja, uma pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional (artº, 2 nº 1, da Lei nº 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor – LDC), configura um contrato de compra e venda de bem de consumo e só para esse caso é que vale o regime jurídico específico da venda de bens de consumo (artºs 1 nº 1, 1-A do Decreto-Lei nº 67/2003, na redacção do artº 1 do Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio);
II – A manifesta “desconformidade face ao contrato de compra e venda” celebrado pelas partes, resultante da discrepância entre a comprovada real quilometragem da viatura muito antes da data em que foi vendida ao apelante, confere ao autor (comprador consumidor) o direito de resolução contratual previsto no aludido artº 4º do DL nº 67/2003;
III – A regra de que a resolução tem eficácia retroactiva (nº 1 do artº 434º, do CC), sendo equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade (artigo 433º), tem de ser conjugada com diversos preceitos que se destinam justamente a evitar que, por essa via, uma das partes enriqueça, injustificadamente, à custa da outra;
Assim resulta, por exemplo, do disposto no nº 2 do artigo 432º, do nº 2 do artigo 434º (cujo espírito, segundo Calvão da Silva – op. cit., pág. 85 – pode justificar a redução do valor a restituir por força da resolução, em caso de utilização do bem pelo consumidor) ou nos nºs 1 e 3 do artigo 289º e no artigo 290º.
IV – Não sendo, no caso, possível ao autor restituir ao demandado o automóvel ZN no estado em lhe foi entregue, deverá ser deduzido do preço a restituir a desvalorização da viatura decorrente da utilização desta durante cerca de um ano, cuja determinação se remete para liquidação (incidente regulado no artº 358º e seguintes do CPC).