Jurisprudência:
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Assédio moral no local de trabalho – Em causa resultado e não objetivo do comportamento
O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que a definição legal de assédio não exige que o comportamento censurável tenha um determinado objetivo ou intenção, sendo suficiente que ele tenha o efeito de intimidar, hostilizar ou humilhar o trabalhador.
O caso
Uma empresa de comercialização e prestação de serviços de jardinagem admitiu, por mero acordo verbal, um trabalhador para exercer funções de aprendiz de jardineiro mediante o pagamento de 450 euros mensais, acrescidos de subsídio de alimentação.
Esse vencimento foi sendo sucessivamente aumentado, até atingir os 1.010 euros mensais, mas sendo parte desse valor pago em dinheiro e não declarado nos recibos de vencimento.
Durante o tempo em que trabalhou para a empresa o jardineiro não gozou a totalidade dos dias de férias a que tinha direito nem recebeu a totalidade dos montantes devidos a título de férias e de subsídios de férias e de natal. Além disso prestou trabalho suplementar em vários sábados, o qual nunca foi pago.
Mais tarde, a empresa deixou de lhe pagar qualquer valor além do que constava dos recibos de vencimento, tendo-o obrigado a realizar tarefas menores, como arrancar ervas, tarefa essa que implicava que ele ficasse de joelhos ou de cócoras quando pouco tempo antes tinha sido operado a um joelho, o que o impedia de ser sujeito a grandes esforços, facto que era do conhecimento da empresa.
Foi-lhe também pedido, pelo menos uma vez, que estendesse um tapete de relva e que depois o voltasse a enrolar, para ser guardado e que enchesse sacos e paletes de gravilha de tijolos para, de seguida, os esvaziar, tendo-lhe ainda sido ordenado que fosse cavar, sozinho, com uma sachola e sem recurso a qualquer máquina um terreno com pelo menos 1.000m2 e que era explorado pela empresa.
Esses comportamentos levaram a que o jardineiro rescindisse o contrato de trabalho alegando justa causa, tendo recorrido depois a tribunal pedindo para que fosse reconhecida essa justa causa e a empresa condenada a pagar-lhe a indemnização devida.
A empresa contestou mas a ação foi julgada procedente, tendo o tribunal concluído pela existência de justa causa para resolução do contrato com fundamento na falta culposa de pagamento da retribuição, na violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, na violação de garantias legais do trabalhador e na existência de assédio moral no local de trabalho decorrente do tratamento dispensado ao trabalhador no que se reporta às tarefas a cumprir.
Essa decisão levou a empresa a interpor recurso para o TRG rejeitando que a sua atuação pudesse ser considerada assédio no local de trabalho e alegando que, para que existisse assédio, tinha de estar provada a prática intencional e repetida de cariz persecutório, o que não sucedera.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG negou provimento ao recurso, confirmando a existência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador e a existência de assédio no local de trabalho.
Entendeu o TRG que a definição legal de assédio não exige que o comportamento censurável tenha um determinado objetivo ou intenção, sendo suficiente que ele tenha o efeito de intimidar, hostilizar ou humilhar o trabalhador.
Assédio é todo o comportamento indesejado que vise ou tenha o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Ora, não tem outro efeito senão o de humilhar o facto da empresa ordenar que o trabalhador estenda um tapete de relva para, logo a seguir, dar a ordem em contrário, para que ele enrole esse mesmo tapete. O mesmo acontece quando lhe ordene que encha sacos com gravilha de tijolos e, logo de seguida, que os esvazie, ou o mande cavar sozinho, com uma sachola e sem recurso a qualquer máquina um terreno com uma área de pelo menos 1.000m2.
Esses factos quando praticados junto com outros, que passem pela diminuição da retribuição paga ao trabalhador e da violação das suas garantias legais quanto ao gozo de férias, assumem especial relevo e traduzem, sem dúvida, um comportamento persecutório por parte da entidade patronal que constitui justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo trabalhador.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 220/13.8TTBCL.G1, de 24 de setembro de 2015
Código do Trabalho, artigo 29.º
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