Entrevista: DRA MARIA PAULA GOUVEIA ANDRADE, vice-presidente do Sindicato dos Advogados Portugueses (SAP)

Á conversa com…

DRA MARIA PAULA GOUVEIA ANDRADE, vice-presidente do Sindicato dos Advogados Portugueses

 

A nossa colega Dra Maria Paula Gouveia Andrade é a vice-presidente do Sindicato dos Advogados Portugueses (SAP). É docente académica, autora de diversos livros jurídicos, oradora e conferencista bem como formadora. Um rosto bem conhecido da nossa área.

Decidiu conceder-nos uma entrevista e explicar melhor a existência do SAP e a sua missão na luta condigna da profissão de Advogado.

 

Miguel Pimenta de Almeida (MPA) – Ser Advogado no nosso país não é fácil. Cada vez mais se fala em precariedade, de advogados a suspenderem a inscrição, das contribuições para a CPAS, do elevado valor das quotas da OA…

Com mais de 30 anos de carreira como advogada que balanço faz da profissão?

Maria Paula Gouveia Andrade (MPGA) – Obrigada pela oportunidade, Miguel. Ao longo destes 32 anos já vi e vivi muita coisa. Ainda sou do tempo dos faxes, telexes, máquinas de escrever e papel químico. Sou do tempo em que não havia telemóveis. A profissão era quase exclusivamente masculina. Mas havia uma coisa que hoje falta: os advogados eram respeitados. Hoje não são.

 

MPA – Como surgiu este projecto de criar um Sindicato para os Advogados (SAP)?

MPGA – O projecto era antigo e de várias pessoas. Os fundadores (somos 5) foram analisando, meditando e percebemos todos que os problemas da classe não se limitam à CPAS e são bem mais profundos, o que implicava um projecto diferente dos existentes. Pela parte que me toca foi-me lançado este desafio, se eu não queria estar na génese de um projecto completamente novo e por isso mesmo audaz, a criação de um sindicato de advogados. Nunca me vi como sindicalista e ainda hoje não me vejo como tal, na acepção tradicional da palavra sindicalista. Mas não vislumbrei outra forma de intervir na profissão e por isso aceitei.

 

MPA – Sentem que existe alguma desconfiança por parte dos advogados referente à existência de um Sindicato? Como é que os colegas vos abordam?

MPGA – Há de facto uma enorme resistência e pela parte que me toca já ouvi e li de tudo, desde o “nunca me enganaste, não passas de uma esquerdista” ao “mas meteste-te nisto porquê, com a tua idade!”. E há sobretudo um grande desconhecimento. Um sindicato representa os seus associados. Muitas das questões desses associados são transversais a todos os advogados. Mas só representamos os nossos associados.

 

MPA – No entanto há quem defenda que não faz sentido a existência de um Sindicato dos Advogados…   

MPGA – Acredite que faz e esses que assim o dizem sabem-no bem. É porque existimos que a precariedade na profissão está a ser debatida, dantes era tabu. É porque existimos que se discute agora a subordinação jurídica, a dependência hierárquica, a natureza do vínculo que liga advogados a outros advogados. No ano passado tal debate era impensável.

 

 MPA – Como sabemos, o SAP é algo inovador e é visível que irá existir um trabalho progressivo embora moroso. Que apoios é que têm tido?

MPGA – Para já, o apoio dos nossos associados. Em off, o apoio de imensos Colegas que nos pedem que não esmoreçamos. Saiba que há medo na nossa profissão, sobretudo junto dos Colegas com subordinação. Os Advogados-estagiários têm medo de ficar “queimados”. Mas o caminho é este e ninguém o ignora.

 

MPA – Quem poderá ser vosso associado?

MPGA – Encontra essa resposta nos nossos Estatutos (http://bte.gep.msess.gov.pt/completos/2018/bte4_2018.pdf): artº 2º/1: Podem ser sócios do sindicato todos os que reúnem os requisitos e possam exercer a função de advogado nos termos da lei. Concretamente, visamos os Colegas trabalhadores por conta de outrem (Estado / Particular), os Colegas com falso recibo verde (associado ou outro), e os Advogados-estagiários. Outras situações serão analisadas casuisticamente.

 

MPA – Mas a subordinação jurídica é a característica fundamental de um vínculo laboral e elemento diferenciador de um contrato de trabalho diferente de um contrato de prestação de serviços. E os colegas, por exemplo, numa sociedade de advogados emitem recibos verdes e não celebraram nenhum contrato de trabalho… 

MPGA – Ah, Miguel, desde quando é que o nome do contrato é vinculativo? Formalizar um negócio não é apenas aludir a um certo tipo de contrato mas descrever claramente por escrito o seu objecto e as suas condições: um contrato deve ser qualificado juridicamente em função da relação que realmente existe entre as partes e não em função da sua denominação, do modelo ou da cor do recibo.

E todos ouvimos já falar em falsos recibos verdes, ou não?

 

MPA – Está a referir-se aos colegas que, na prática, encontram-se numa verdadeira relação laboral, isto é, existe uma subordinação jurídica de dependência técnica, de dependência económica e integrados numa organização de subordinação?

MPGA – Exactamente Miguel. Todos esses que sabem a que horas entram mas não sabem a que horas saem. Que trabalham doze meses, sem regalias sociais. E são imensos. Milhares. Aliás a jurisprudência já vem qualificando estes contratos como verdadeiros contratos de trabalho.

 

 MPA – Como pretende o SAP defender os seus associados nos casos de presunção de laboralidade e numa acção de reconhecimento de existência de contrato de trabalho?

MPGA – Temos que ver os casos. Uma situação é o que se passa na “privada”, outra no próprio Estado. Em caso de acção judicial, o Colega em causa pode pedir desde o nosso apoio jurídico à nossa intervenção processual (provocada).

Enquanto sindicato podemos defender interesses difusos e propor acções populares. Mas terá que ser o associado a dizer-nos que tipo de apoio pretende. Muitos há que não querem ser identificados como associados.

 

MPA – O SAP admite como associados os Advogados-estagiários. O que sabemos é que existem estágios não remunerados e alguns remunerados apenas na 2ª fase. Qual a vossa opinião do que poderia vir a ser alterado neste regime de estágio em termos de acompanhamento e remuneração?

MPGA – A questão do estágio é muito complexa e na minha opinião exige uma reformulação profunda por parte da Ordem dos Advogados, enquanto (única) entidade que regula o acesso à profissão, a permanência e a saída da mesma.

O que tenho visto é imensos estagiários a fazerem trabalho de secretariado ainda por cima não remunerado. Outros (já na segunda fase) vão preparando articulados que terão que ser subscritos pelos respectivos patronos.

Se quero ter um estagiário a trabalhar para mim, devo remunerá-lo, um X por peça, por exemplo. Se lhe exijo voltas (tribunais, conservatórias), o mínimo dos mínimos é pagar-lhe o combustível, o estacionamento, as multas. Mas se lhe exijo que fique no escritório das 9 às 5 terei que lhe pagar pelo menos salário mínimo porque a disponibilidade paga-se.

 

MPA – A actuação do SPA será um meio de defesa de direitos e interesses dos advogados que não existe ou nunca existiu por parte da OA? 

MPGA – Visamos intervir onde a OA não intervém, no caso concreto do associado A ou B. Visamos esta “franja” que começa a emergir ainda que envergonhadamente, a dos Advogados que trabalham para outros Colegas e para empresas e que não são reconhecidos como trabalhadores não tendo por isso mesmo os direitos respectivos.

Enquanto mulher, e sendo nós maioritárias na profissão, temos que pensar muito seriamente numa advocacia também virada para as mulheres: uma advogada que queira amamentar e que seja associada numa sociedade de advogados, como é?

 

MPA – Como pretende o SAP defender a profissão de Advogado? Quais as iniciativas e projectos a curto e longo prazo?

MPGA – Em 1º lugar, pretendemos dignificar a profissão de Advogado, restituir-lhe o respeito que dantes existia e que se perdeu. Acreditamos que a Ordem dos Advogados tem que ser para os Advogados, tem que defender os Advogados, e infelizmente isso não acontece. Veja: a dependência económica propicia o erro. Se eu preciso de ganhar dinheiro, ou aceito muitos casos e não tenho tempo para todos, ou aceito casos que não domino (e temos o potencial erro).

Não podemos ser os únicos profissionais no país sem apoio na doença, na gravidez. Um justo impedimento no caso de um advogado é a morte ou um avc. Mas os juízes podem adiar diligências invocando motivos pessoais. Não pode ser.

Concretamente, a formação, a legisferação e, claro, o recurso ao judicial nos casos em que se imponha.

Fora deste contexto, o estabelecimento de parcerias desde logo ao nível dos seguros de saúde e de responsabilidade civil profissional que sejam atraentes para os nossos associados.

 

MPA – E temos o tema das contribuições para a CPAS. Como será a vossa actuação?

MPGA – Ao nível da CPAS só contemplo a actuação judicial. Mas está em curso a recolha de assinaturas com vista a um eventual referendo, veremos o que vai suceder.

 

MPA – Nas eleições para o lugar de Bastonário da OA, em Dezembro de 2016, de um modo geral, os candidatos falaram em quotas, formações gratuitas e sobre os estágios mas, na realidade, nada mudou. Como o SAP vê esta situação e que melhorias sugerem ou que irão defender?

MPGA – Aquilo que vou dizer pode chocá-lo mas é a pura das verdades: a OA cobra quotas e em troca disponibiliza um certificado digital e um endereço de e-mail. Só. Mais nada. Convenhamos que há seguros de responsabilidade civil profissional mais baratos e atractivos. Seguros de saúde não temos e deixemos a CPAS de fora disto. Pagar 37,50€ mês para ter um certificado digital é excessivo. Dir-me-ão que a estrutura é pesada mas tem que ser mantida. Discordo: mesmo mantendo a estrutura podem racionalizar-se os meios.

Comparemos com a Ordem dos Médicos e vejamos quanto pagam os médicos de quota. O estágio tem que ser prático, não pode ser uma repetição da teoria académica. Afinal os estagiários são licenciados, presume-se que sabem Direito. Os que não souberem o mercado tratará deles.

Por isso o estágio deve ser “profissionalizante”: saber articular, saber questionar uma testemunha, uma parte, saber alegar oralmente, ditar requerimentos para a acta, simulações de julgamentos, retórica forense. É assim que vejo o estágio e todos os meus estagiários aprenderam prática, se quisessem que eu lhes ensinasse Direito teriam que me pagar pois um patrono não é um explicador.

 

MPA – Nos Estatutos do SAP, prevê um elenco exaustivo mas não taxativo de competências. Entre elas, a negociação com a Ordem dos Advogados e com o Ministério da Justiça sobre matérias de interesse para os advogados que são associados, apresentando projectos, iniciativas e sugestões.

Como estão a decorrer estas audiências com a OA?   

MPGA – É com enorme vergonha que refiro que não há audiências com a OA: percebo o motivo, pretendemos intervir em áreas que “mexem” com muitos interesses, por exemplo: imagine os advogados associados serem reconhecidos como verdadeiros trabalhadores subordinados, que o são. Mas falta a sensibilidade de perceber que mais vale cavalgar a onda do que apanhá-la de chapão.  Não estamos contra a Ordem, e isto é muito importante que se perceba: não estamos contra a Ordem, estamos é contra a progressiva e constante demissão de responsabilidades por parte da Ordem face a todos nós que somos a sua razão de existir.

 

MPA – E com a Ministra da Justiça?

MPGA – Foi com imenso agrado que reunimos com a Senhora Ministra. Foi uma audiência longa onde para além de nos apresentarmos expusemos as nossas inquietações mais prementes. Pelo menos uma delas já está em fase de correcção, seguir-se-ão as outras.

 

MPA – “Há advogados que ganham 500 euros por mês”, proferiu o Bastonário da OA, denunciando a precariedade na profissão. Isto não é novo mas cada vez se ouve mais. Vale a pena ser advogado no nosso país?

MPGA – Se vale a pena? Não é pelo dinheiro embora também seja pelo dinheiro. A Advocacia não é uma missão é uma profissão e os advogados têm encargos fixos (escritório, água, luz, telefone…). Mas é uma profissão desafiante que nos permite lidar com o melhor e o pior do ser humano. Na advocacia de família e criminal por exemplo, vemos coisas atrozes. O mal. E que há de mais desafiante do que conseguir que se faça justiça?

 

MPA – Que mensagem querem deixar aos Advogados e Advogados-estagiários (em regime de subordinação jurídica)? 

MPGA – Ao fim de 32 anos de profissão apenas digo: lutem, não tenham medo. Um advogado que não consegue lutar por si não consegue lutar pelos outros.

 

MPA – Quem quiser ser associado, como poderá fazer?  

MPGA – Para já preenche a ficha de associado e paga a quota respectiva, numa de duas modalidades; em breve poderá fazê-lo directamente através do nosso site.

 

MPA – Muito obrigado pela entrevista.

MPGA – Eu é que agradeço a oportunidade de divulgar o SAP.


 

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